quinta-feira, 9 de junho de 2011

Jamaica, a família

NEGRITUDE
O time de futebol de salão, que reunia no centro da cidade de São Paulo jovens fãs de reggae, transformou-se, nos últimos 32 anos, num clube do qual participam cerca de 70 famílias de profissionais de áreas diversas. Todos com um ponto em comum: são vencedores

POR OSWALDO FAUSTINO | FOTOS ARQUIVO PESSOAL




Numa padaria próxima à Câmara Municipal de São Paulo, estão reunidos o jornalista Ubiratan Miranda (o Mirandinha), o consultor de TI Waldemar Carvalho (o Waldê), o representante comercial Wilson Veríssimo (o Wilsão), o consultor empresarial Laerte Tadeu (o Lala) e o gerente de logística João Carlos Rodrigues (este sem apelido).
Os cinco são remanescentes do grupo que fundou o Jamaica. Todos têm boas recordações de jogos, churrascos, festas e reuniões familiares. Em 2002, os campeões da 1ª Copa Brahma Masters de Futebol Society, (com idades entre 45 a 53 anos) posaram para fotos com a taça e uma faixa em que estava pintado o símbolo do time: Jamaica, com a imagem do ídolo Bob Marley e, sobre o J, um ramo de Canabis sativa, a erva da maconha.
O que, há 32 anos, pareceu um ideia genial para os jovens offices boys fundadores do Grêmio Recreativo Cultural e Social Jamaica, tornou-se um incômodo.
Estava na hora de trocar de símbolo, afinal, todos agora são pais de família preocupados em dar bons exemplos aos filhos. Waldê faz questão de exibir o novo símbolo: um grafismo em que um bonequinho, com dread look, dá uma bicicleta. "É importante lembrar - alerta Laerte - que, apesar do nome do time e do antigo símbolo, nosso pessoal sempre foi contra o uso de drogas.
Por sinal, isso já nos trouxe constrangimentos em alguns torneios". Wilson se recorda do primeiro campeonato que venceram, em 1978, ao jogar contra um time chamado Caroço, num bairro de periferia. "Quando chegamos, os caras perguntavam: 'têm um carocinho, aí?', referindo-se às sementinhas da canabis", conta. Ficaram em uma "saia justa" para explicar que não eram adeptos do uso da erva. "Só sei que eu fiz o gol que nos sagrou campeões", orgulha-se Lala.
Boas recordações
1986 - (todos em pé, da esquerda para a direita) Marcão, Ronaldo, João Carlos, Daniel, Macalé e Nilson
Enquanto a conversa flui, João Carlos (em cuja residência, na Zona Norte, aconteceu a primeira reunião para a criação do time) observa as fotografias impressas num grande álbum comemorativo dos 30 anos do Jamaica. Instintivamente, passa a mão na cabeça raspada ao observar uma foto dos anos 1970, quando a calvície apenas começava a se manifestar.
Miranda, outro a se utilizar do artifício de raspar a cabeça, interrompe as falas para apontar sua imagem no tempo em que usava barba e uma cabeleira de fazer inveja.
"Em abril de 1977, depois de alguns jogos de fim de semana, nos reunimos lá em casa para escolher o nome - conta João Carlos - Queríamos homenagear um país africano. Alguém sugeriu Zimbabwe, outro, Botsuana. Até que vimos, numa revista de surfe, aquela imagem que virou nosso símbolo e acabamos homenageando o país negro do Caribe".
Marley, para o grupo, era símbolo de liberdade e do artista que saiu do gueto e conquistou o mundo com seus reggaes políticos, pregando paz e amor. "E nós também queríamos chegar lá", complementa João. Nas competições de várzea, em torneios e festivais, o Jamaica foi se tornando conhecido e arregimentando amigos. Hoje é integrado por cerca de 70 famílias.
Laerte destaca que, desde o início, não se tratava de um time exclusivamente de negros: "Havia também alguns atletas brancos no grupo". Faz uma pausa e todos completam, quase em coro: "Mas eram brancos de alma negra", e encerram com uma boa gargalhada.
A sede, por vários anos, foi na Bela Vista, região central da capital, próximo à quadra da escola de samba Vai Vai. A maioria era simpatizante dessa agremiação. Miranda, porém, preferia a rival Camisa Verde e Branco, e integrou sua comissão de frente. Depois se mudaram para a zona norte. A primeira festa aconteceu na casa de Laerte, considerado um bom festeiro.
O grupo também organiza festas temáticas como o Baile do Hawaí. Para tanto, se cotizam e alugam um espaço. Em 2000, a comemoração dos 23 anos foi numa mansão no Brooklin, na Zona Sul. João Carlos sempre se encarrega de controlar quem pode ou não entrar nas festas. "Se alguém, inconveniente, é barrado, pomos a culpa no João - conta Wilson - Ele tem costas largas". Samba, futebol, churrasco... Uma fórmula de sucesso para a integração! Assim, as namoradas começaram a frequentar os jogos e foram ficando amigas.
Os casamentos começaram a acontecer e, quando tinha uma separação e o rapaz apresentava uma nova namorada, as mulheres dos amigos se incumbiam de boicotá-la. "Elas são corporativistas", comentam. Ao falar de casamentos, todos se lembram das despedidas de solteiro, mas preferem não revelar detalhes para não serem punidos por esposas e namoradas. "Elas começaram a entrar para o Jamaica para não brigar conosco. E não é para menos: chegávamos na quadra para jogar às 9 da manhã e voltávamos para casa às 9 ou 10 da noite", comenta Waldê.
"É importante lembrar que , apesar do nome do time e do antigo simbolo , nosso pessoal sempre foi contra o uso de drogas " Laerte Tadeu, o Lala
O time de futebol de salão, que reunia no centro da cidade de São Paulo jovens fãs de reggae, transformou-se, nos últimos 32 anos, num clube do qual participam cerca de 70 famílias de profissionais de áreas diversas. Todos com um ponto em comum: são vencedores
Wilson, Miranda e João Carlos (de bermuda); agachados: Waldemar e Laerte


O tempo foi passando...
... o pessoal amadurecendo, estudando, se profissionalizando, e com uma união cada vez maior. "Uma coisa muito parecida com o que fazem os judeus, que priorizam os seus, antes de abrir espaço para estranhos", explica João Carlos. Hoje, além dos cinco fundadores, há também um professor de educação física, um psicólogo, empresários, um médico anestesista, um dentista, assistentes sociais, professores e profissionais de várias áreas.
Atualmente, a maioria das decisões do grupo é tomada sob a influência das mulheres, cada vez mais participativas. A integração dos filhos também é motivo de orgulho para todos. Gustavo, filho de Wilson, com 16 anos, é atleta. Já participou de duas Macabíadas - jogos olímpicos organizados pelo povo judeu -, uma na Argentina e outra em Israel, e hoje joga em um time em São Carlos, no interior paulista.
Mariana, filha de Waldê, de 22 anos, formou-se em jornalismo. Caíque, filho de João Carlos, de 21 anos, faz Engenharia. Bruno, de 25 anos, filho de Eli, (outro integrante antigo do Jamaica), formou-se em Direito. Eles acreditam que tudo isso só foi possível graças à organização do grupo. Hora de fazer gozação.
O Grêmio Recreativo Cultural e Social Jamaica em, 1986
O alvo escolhido é Laerte. Ele sempre foi um "menino rebelde". Há 10 anos, uniu-se à namorada, Toninha, com quem tem dois filhos - Victória, de 9 anos, e Guilherme, de 6 -, mas não queria se casar. "Em 2008, a gente juntou e lutou até convencêlo da importância do casamento. A esposa deve isso ao nosso grupo.
Nesse sentido, a próxima investida será a favor do casamento de Zé Carlos e Célia, em cuja casa estão nossos troféus. Eles também vivem juntos, há anos. Depois será a vez do Miranda, cujos relacionamentos já se transformaram em lendas do Jamaica", conta Ubiratan Miranda. O jornalista se apressa em mudar de assunto: "Com estatuto, CNPJ, eleições a cada dois anos, somos referência para outros grupos e nossos eventos são bastante concorridos.
Foi o que ocorreu em nossa festa de 30 anos, no salão nobre do Jockey Club de São Paulo. Os convites se esgotaram e muita gente ficou de fora". O grupo é grato à ex-vereadora petista Claudete Alves, que os aproximou do presidente da instituição, Márcio Toledo. "Negros, antes de nós, só o Fórum África conseguiu fazer um evento naquele local", comenta Miranda. A Família Jamaica também desenvolve projetos sociais, como a distribuição de cestas básicas em comunidades carentes, e de brinquedos no Natal para crianças de instituições. Para isso, busca parceiras.
Claudete os aproximou do empresário Álvaro Jabour Maluf, da Camisaria Colombo. E, graças a João Jorge, diretor do bloco carnavalesco baiano Olodum, a agremiação abriu suas portas para realizar ações sócioculturais compartilhadas. Todos os sábados, das 14 às 16 horas, o Jamaica joga na quadra de futebol society da Associação Atlética São Paulo. João Carlos - atual presidente - diz que o principal requisito para ingressar no grupo é ser "boa-praça", como os integrantes do conjunto Comitê do Soul, que animou a festa de 32 anos.
A próxima providência será a instalação da sede social própria, onde, além da prática de esportes e da realização de eventos, possam oferecer a todos um espaço de convivência digno da Família Jamaica e de seus amigos.




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